Para o Manuel António Pina, poeta, jornalista, cronista. E o cidadão mais generoso que encontrei no mundo dos jornais.
Conheci-te à mesa do Piolho, nos aos 70, quando o café foi local de
tertúlia política e literária, muito antes de Marcelo ter inventado as célebres
“conversas em família” na RTP. Por esses tempos, existia a Árvore, o TEP, o
Cineclube, a Alvarez do querido amigo Jaime Isidoro e a poesia estava longe de
chegar às ruas no célebre cartaz da
Vieira da Silva.
Nesse café portuense de boa memória e gente fraternal existiam
cumplicidades, afectos. Só em ouvir-te falar já ficava mais rico. Chegavas quase
sempre de charuto ou cigarrilha, livros e jornais debaixo do braço e as
conversas navegavam ao sabor do momento: política, poesia, música, literatura,
cinema. Um manancial de coisas boas. Até de xadrez, ou Karaté transmitias dicas
aos teus compinchas de mesa.
E tudo isso acontecia numa linguagem simples como
quem conta uma história de crianças. Sabias sempre o último romance da Agustina, o novo livro
de Eugénio ou António Ramos Rosa, citavas com mestria a poesia de Eliot e Pessoa,
outras vezes aconselhavas alguns autores que valiam a pena ler, Hemingway, Borges…
Depois, o teatro e o cinema, planos, décors, cineastas de eleição, Truffaut, autor
de “O Homem que Amava as Mulheres” que ambos admiramos na estreia; sem esquecer
o belíssimo “Lilitth e o seu Destino”, de Robert Rossen, mas também Fellini,
Godard, Ford, Allen e tantos outros autores do mundo das imagens que ambos
víamos em maratonas cinéfilas nos cineclubes (do Porto e do Norte) nos cinemas Trindade,
Batalha, Bebé.
Tinhas um humor fino, sóbrio e ao mesmo tempo rebelde, inconformista. Anos
depois, quando voltei da guerra colonial, embarcamos na saudável aventura do
PREC e no MES de boa memória (como vês, não renego nada do que fiz) ouvia-te
falar de política envolvida em causas e valores, dos golpes e contragolpes do
Spínola – outras vezes do Otelo e de Maria de Lurdes Pintassilgo, ideais, utopias,
convicções. E olhavas com desprezo para
o “grupo de acomodados” que, servindo-se da política viviam à sombra do Poder.”O
pior que pode acontecer aos poetas é irem parar à lapela dos políticos, mas
mesmo isso é uma gota no universo”, disseste muitos anos depois numa célebre e
inesquecível entrevista. Mas, tu preferiste sempre continuar a ser grande na
poesia e literatura, no jornalismo, homem de carácter e honradez.Alguns anos depois, tive o privilégio de partilhar contigo a redacção do Jornal de Notícias, uma alegria enorme, pois pude apreciar de perto o teu talento da escrita, a maneira como transformavas um simples “fait-divers” da política, ou um episódio banal do quotidiano numa crónica única, inconfundível, cheia de humanidade, conhecimento e ironia, a tua arma preferida para desancar num qualquer arrivista que aparecia no teu caminho.
Queria dizer-te mais uma coisa: na véspera da tua partida fui ao TNSJ e emocionei-me com a encenação de O Bando, “Ainda não é o Fim”, baseada em textos, crónicas, poesias que, anos antes, tinhas escrito para nosso deleite. Agora, com a tua morte apressada – só os Homens bons partem cedo demais - já só resta seguir o teu exemplo de cidadão exemplar, humilde, talentoso, um poeta superior da língua e cultura portuguesa. E continuar a ler-te. Por hoje, fico-me com a “Poesia, Saudade da Prosa” e um dia destes, voltarei a folhear “Aquele Que Quer Morrer”.
Obrigado Manuel António Pina por tudo quanto me deste a conhecer.
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