Cláudio morreu por Amor

Só o título do livro é idílico: “História do Amor entre um Advogado e uma juíza”, de autoria de Modesto do Rio Mendes. No interior conta-se a história de um crime, cuja vítima foi Cláudio Mendes, 35 anos, advogado. A outra protagonista deste filme macabro chama-se
Ana Joaquina Carriço Ferreira da Silva, juíza de Direito. O livro, 112 páginas, com testemunhos de amigos e várias fotos, constitui um libelo acusatório de grande dramatismo e emoção. Lê-se num fôlego. No final, entre a revolta e a tristeza por ter perdido um amigo voltei a fazer a interrogação que fiz em Fevereiro de 2011: como foi possível ter acontecido este crime? Como foi possível  ter sido montada uma armadilha destinada à execução sumária de um homem de bem, generoso, afável? Só o autor confesso do crime, António Ferreira da Silva, poderá explicar ao colectivo as frases assassinas: “Acabou, acabou. Levam-no ao Hospital”.
Antes de avançar com outros comentários faço uma breve declaração: acompanhei os últimos meses de vida do jovem advogado e, com ele, partilhei confidências, cumplicidades, conversas sobre regulação do poder paternal, sacanices em série cometidos em nome do Direito, ofensas, tentativas de assassinato de carácter. Por vezes, fiquei a ouvi-lo noite dentro, quase sempre até às 4 horas da madrugada. No centro de todas as conversas esteve sempre a sua querida Adriana cujas imagens guardou religiosamente no telemóvel, mais um pequeno vídeo com registo de breves momentos de felicidade com a filha, espécie de bálsamo para aguentar as humilhações que dizia ser vítima. Entre as muitas notas e memórias que retenho, recordo-me de um episódio significativo. Numa segunda-feira, pouco tempo antes de ter sido assassinado, Cláudio mostrou-se visivelmente ansioso por poder deslocar-se do Porto a Mamarrosa para estar com a filha. Porém, na véspera da viagem, já perto da meia-noite, recebeu um telefonema do sogro a desmarcar a visita. Lembro-me da amargura sentida, da revolta estampada no rosto. “Tinha tudo programado para estar com a minha filhota. Estão a roubar-me a possibilidade de ser pai. Mas eu vou conseguir”. E emocionou-se. Tentei reconfortá-lo e procurei acreditar que, mais dia menos dia seria feita Justiça e podia partilhar o crescimento da filha. Ingenuidade minha: esqueci-me da "lei do gatilho".
Fecho parêntesis e volto à trágica história de amor agora dada à estampa (edição: Fronteira do Caos Editores, Lda) cujas páginas revela-nos pormenores elucidativos sobre o relacionamento entre Cláudio, Ana e Mamarrosa (a geografia do lugar também contou para a execução do crime); episódios mais ou menos burlescos como as cenas dos "Carapins” e tormentas sobre o “Longo período de alienação paternal”. Nesta breve e lacunar apreciação ao livro escrito pelo irmão da vítima, outros capítulos, espécie de testemunho e homenagem ao pai que morreu por amor à filha: “Execução do meu irmão”, “O Drama da nossa família”, “O António Ri-se” (é uma imagem que ficará sempre colada à pele do autor do crime quando foi presente ao primeiro interrogatório) mais o emocionante relato intitulado “À Espera de Ti, Adriana”.
No final desta história, quero acreditar que Adriana irá saber tudo quanto aconteceu naquele dia fatídico em Mamarrosa, cujo avó julgou, condenou e matou Cláudio com seis tiros de pistola. E por certo, um dia mais tarde, irá ler o livro que os censores de Oliveira do Bairro nunca permitiram ao pai a sua entrega: chama-se “Os Melhores Poemas para Crescer” [Rosa Lobato de Faria] cuja dedicatória constitui mais um gesto de amor paterno.
O julgamento começa hoje, dia 6 de Setembro, no Tribunal de Anadia. O arguido é acusado de um crime de homicídio qualificado cuja moldura penal poderá ir até aos 25 anos de prisão.



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